quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Estamos mudando a escrita da história?

A questão tangenciou meu raciocínio enquanto relia o artigo “Webjornalismo de Terceira Geração: continuidades e rupturas no jornalismo desenvolvido para a web”, da pesquisadora Luciana Mielniczuk. Ela aborda, partindo das seis categorias de análise do webjornalismo, (hipertextualidade, interatividade, multimidialidade, personalização, memória e atualização continua) o que é continuísmo e o que é novidade na terceira geração do jornalismo on-line. E dentre essas categorias, o conceito de memória é uma das rupturas mais importantes na passagem da segunda pra terceira geração, porque altera as estruturas de outros campos do saber. Diz a autora: “o jornalismo, pela primeira vez, possui uma memória múltipla, instantânea e cumulativa”.
A história nasce com o surgimento da escrita, aprendemos ainda no primário. Isso porque a partir de 4 mil anos a.C., a interpretação dos acontecimentos passados passam a basear-se estritamente em documentos escritos. A partir do século XVIII a história passa a ser interpretada, escrita e repassada com base nos jornais. Bom, aí já nos perdemos nas instâncias subjetivadoras da escrita histórica. Os historiadores deveriam fazer a análise do discurso do meio de comunicação, para que os estudiosos fizessem a análise do discurso dos historiadores. Impossível.
Com a memória cumulativa do jornalismo on-line, creio que as coisas podem mudar, algumas pra melhor outras pra pior. Em primeiro lugar é impossível pensar que o webjornal não vai servir de base para a construção da nossa história contemporânea, até porque a história já está sendo escrita através dos artigos de opinião, e da própria opinião pública. Creio que vai haver mais crítica a esse processo de escrita histórica, porque os historiadores serão também o próprio senso comum. Quem se disporia há, num belo sábado de sol, enfrentar o arquivo público de um grande jornal para ver o que foi noticiado há cem ou duzentos anos? E as traças? A memória agora está disponível, o estudante vai ler no seu livro didático daqui há vinte anos que o presidente Lula adotou a política da demagogia, mas vai achar notícias em um site que vão dizer que na verdade o presidente governou pra todas as classes sociais.
Considerando a criticidade como um ponto positivo, creio que a velocidade da publicação da informação, que desconsidera a consulta a múltiplas fontes e a qualidade da informação, pode tornar questionável este conteúdo que virá a se tornar memória. Deste ponto, também a escrita da história pode se tornar questionável, não obstante o fato de que jornais impressos vão continuar servindo de balizadores. Mas jornais impressos valem-se muito de conteúdos de webjornais.
Outro aspecto que considero relevante é que, assim como a relação temporal fato-notícia diminui com o webjornal, também diminuirá o distanciamento histórico que a sociedade precisa ter de certo fato para assumí-lo como histórico. Porque o próprio termo memória nos conduz a escrita da história. Outros aspectos relevantes surgem desta questão, que poderia certamente transformar-se em afirmação. O webjornalismo está sim alterando a maneira de escrever a história.
Indico “História e Memória”, do medievalista Jacques Le Goff, para quem quiser saber mais sobre processo de escrita da história.

Nenhum comentário: